terça-feira, 23 de junho de 2009

A virtude da ignorância

Desde criança aprendi a admirar e amar os quadrinhos da Mafalda, havia neles uma mescla de criticidade e aposta esperançosa numa infância que é capaz de filosofar o cotidiano que me encantavam.
Todavia, percebo que a medida em que o tempo avança e a sociedade se auto classifica pós-moderna, a ignorância em alguns casos tem se tornado uma bênção, virtuosa e salvífica em sua não responsabilidade cotidiana de manter os olhos, ouvidos, mente e coração abertos à estupidez humana que insiste em substimar as potencialidades do viver, da natureza humana.
A ignorância se torna virtuosa, na medida em que não conduz o sujeito à uma clareza existencial, tomada de postura digna e coesa em relação a vida e seus dilemas, porque o mesmo, "não sabe- não enxerga-não ouve..." o que acontece ao seu redor em profundidade imanente.
A virtude da ignorância, nos torna capazes de aplaudir e vibrar com ações humanas que estão repletas de interesse pessoal, cuja única recompensa é o prazer, consciente ou não. A virtude da ignorância, nos possibilita uma estada tranquila no viver, paraíso ilusório de que todos somos bons e desejamos o justo. Ela não suporta o real, a lama que circunda as relações cotidianas, maquia desde projetos educacionais até os mais cuidadosos planos chamados comunitários.
Óh virtude tacanha! Berço esplêndido do ser não pensante, que sofre a doença da falsa esperança, eu, escolho o inferno, porque segundo o filósofo Julio Cabrera: "quando filosofamos atingimos o inferno ou a trivilidade".
O inferno é o semelhante ao de Dante, pessoas que "ardem" de saber em conflito com a tolice que é privilégio da maioria. Não é mérito, é dança solitária, melodia pouco conhecida que em dias de sombrias reflexões acerca do futuro, faz com que murmuremos saudosos a ausência da trivialidade, a virtude da ignorância perdida.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Tecendo palavras compondo o mundo


O filósofo Wittgenstein em sua paixão pela filosofia da linguagem nos deixou o desafio de buscar compreender a palavra em sua mais originária significância, para quem sabe assim entender melhor o mundo...
Filha da contemporâneidade sinto a palavra entretanto, no cotidiano de nossas vidas, sofrendo terrivelmente, transgredida, abortada de sua essência e cuspida na face de um mundo que já quase não sabe mais seu significado.
As palavras revelam o mundo em seus mais recônditos espaços, são lançadas de nossas bocas de modo que podem realizar, no encontro das relações, uma dança inesquecível de murmúrios, poesia, canto e beleza quanto podem aniquilar o outro num jorro frio e insensível, indiferente e mortal.
Eis a palavra, pulsando na garganta de quem vive e almeja a compreensão deste viver, palavra eficaz, apaixonada, latente capaz de libertar, transformar, re-significar.
Quero colher palavras e cultivar no solo do entendimento o que elas pretendem no revelar de um mundo que escolhi como território de longa ou breve jornada.
Que as palavras não sejam mais amputadas, trituradas, esmagadas no tosco e frêmito dia-a-dia de quem não mais vive, se move apenas.
O mundo, nosso universo composto pelo tecer das palavras almeja melhores tempos na lógica de seus dias.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A fé do tamanho de um grão de areia


Foi lendo alguns trechos da obra do poeta William Blake, nesta breve temporada de inserção na cultura norte-americana, que meus pensamentos mergulharam na dúvida crescente dos dias hodiernos: Deus existe? É possível sentí-Lo na ausência de nossos dias e no vazio de nossas vidas?
Blake assim escreve e de alguma forma me responde: " To see a World in a grain of Sand, and a Heaven in a Wild Flower, Hold infinity in the palm of your hand and Eternity in an hour".
O poeta é agora um místico que nos conduz numa maravilhosa viagem rumo o além cotidiano, seja qual for o local em que nos encontrarmos, anestesiados pela rotina de nossas vidas no tic-tac da algema das horas, abrir um livro e ler ao menos um parágrafo da louca poesia que transgride o corriqueiro é momento místico-mágico-transcedental. Perde-se a noção do espaço e já não sabemos mais, ao segurar diante dos olhos o livro, se somos ou não parte deste mesmo elemento. O livro e eu somos um e a viagem começa...
É exatamente no limiar deste espaço que sinto, com o auxílio do poeta, de sua poesia e do livro aberto que Deus se revela, seja qual for o Seu Nome, origem ou endereço...esteve sempre ali entre o cotidiano e o mergulho na poesia, na canção, na dança, no suspiro apaixonado de quem caminha pela praia e sente a carícia do mar na areia e se perde neste cenário deixando de ser e sendo.
Poesia, Blake, areia, Deus e nós: tudo é possibilidade, tudo é necessário para que a vida volte a significar vida e pulse com mais intensidade em corpos que acreditam ser apenas corpos nada mais.
Fecho o livro pois a vista arde, sorrio, porque o coração, agora, arde também. Essa é minha fé. Deus existe sem dúvida.






segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A Tríade preocupação de Charles Taylor



Tem sido um estudo a partir do livro “The ethics of Authenticity” de Charles Taylor em um período privilegiado de estudos nos Estados Unidos que me provocou a escrever sobre questionamentos antigos e sempre novos àqueles e aquelas que ainda ousam pensar, meditar, partilhar reflexões acerca da vida e dos rumos que ela tem tomado.
Taylor apresenta em sua obra uma tríade de preocupações as quais a humanidade hoje se encontra acometida: o individualismo, o desencanto para com o mundo, oriundo da primazia da razão instrumental e os infortúnios da liberdade mal interpretada.
O filósofo contemporâneo apresenta em sua obra, problemas da ruptura do ser humano com sua própria essência, da capacidade de discernimento dos princípios sociais e morais que determinam sua relação com o mundo e com a subjetividade.
O ser humano contemporâneo é um sujeito social amparado por sistemas legais e instituições, ditas democráticas, e, ao contrário de seus antepassados se encontra liberto de qualquer ligação extra-mundana de códigos ou normas morais sagradas. É o sujeito por si mesmo quem decide agora seu estilo de vida e as convicções que por ventura irá aderir.
Em um trecho muito interessante da obra Taylor este afirma que o ser humano frente a moderna “liberdade” perdeu sua paixão pela vida, pela dimensão heróica do existir em nome de um propósito superior.
E ele segue em sua reflexão acerca da razão instrumental e das conseqüências do individualismo e do custo benefício na vida das pessoas desta sociedade atual, regida pela distorcida compreensão de liberdade apresentando no cerne de seu livro a proposta de uma ética da autenticidade.
Sem deixar o sabor de uma obra na íntegra esvair-se na breve partilha deste artigo, insisto agora no caminho aberto pelo filósofo na possibilidade de sua tese acerca da autenticidade no agir ético. O ideal da autenticidade para Taylor é válido cada vez mais para nossos dias, é necessário para libertar o ser humano do extremismo da subjetividade e encontrar novamente seu lugar no mundo levando adiante o seu legado na continuidade da história.
Lendo Taylor e refletindo seriamente sobre a tríade de preocupações que regem a sociedade atual, resultante de um longo e irreversível processo, desenvolvimento capitalista, berço do egocentrismo e do niilismo da desesperança humano-solidária, sou provocada cotidianamente ao seguinte questionamento: o que ao longo de nossa efêmera humana trajetória nos conduz, ainda, ao bom, ao ético, ao politicamente correto? O que justifica nossas ações, atitudes, de modo que possamos revelar valores sem a necessidade de nos agarrarmos em confusas ou já desacreditadas justificações transcendentes?

Por que incontáveis vezes, nesta mesma trajetória, religiosos ou não religiosos, crentes ou supostos ateus, sucumbimos, nem que seja por breves instantes na solitária dimensão de nossos seres nos deixando acorrentar pela minimização do bem, ou pior, pela alienação de seu verdadeiro sentido?

Percebo ainda, enquanto parte desta realidade cuja natureza possibilitou desenvolver-se e existir, do quanto argumentamos, apresentando como respostas ao questionamento acima, inúmeras vezes, tolas desculpas: ou religiosas acerca de nossa dimensão pecadora dominante ou de nossa frágil condição de ser humano natural, sedento de poder, de amorosidade, de aceitação?

E assim prosseguimos no córrego da história desta civilização arrastando correntes, aprisionados por fatores aos quais nos deixamos condicionar, convencer, acorrentar, rumo à um futuro próximo de sérias conseqüências, já visíveis e experienciadas no cotidiano viver do tempo que é hoje.
É possível mudar o rumo de nossos passos, Taylor afirma que sim apostando na autenticidade, quero ir além Taylor, e para tal discussão faço uso da poesia de Robert Frost:

A estrada não trilhada

Num bosque, em pleno outono, a estrada bifurcou-se,
mas, sendo um só, só um caminho eu tomaria.
Assim, por longo tempo eu ali me detive,
e um deles observei até um longe declive
no qual, dobrando, desaparecia...

Porém tomei o outro, igualmente viável,
e tendo mesmo um atrativo especial,
pois mais ramos possuía e talvez mais capim,
embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
os tivesse marcado por igual.

E ambos, nessa manhã, jaziam recobertos
de folhas que nenhum pisar enegrecera.
O primeiro deixei, oh, para um outro dia!
E, intuindo que um caminho outro caminho gera,
duvidei se algum dia eu voltaria.

Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa:
a estrada divergiu naquele bosque – e eu
segui pela que mais ínvia me pareceu,
e foi o que fez toda a diferença.

Qual é enfim a estrada que almejamos trilhar, sermos autênticos é válido e necessário, mas não basta, é preciso mais...

A impossível tarefa de conter a existência



A imagem postada é convite para contemplação (exercício não mais restrito ao místico) e para a reflexão séria do viver, é o início de uma partilha frutuosa ou não, daqueles e daquelas que almejam transgredir muralhas, pessoas e espaços limitados que impedem o saber de transbordar e fertilizar a existência. Existência submersa em um mundo, que a cada dia marcha para o sem sentido, para o vazio absoluto de vidas já inexistentes.

Entretanto, quem poderá afirmar ter contido a existência em suas inúmeras dimensões? Em sua sedenta busca de sentido, de credos e paixões? Conter a existência significa retê-la e compreendê-la, fato impossível já enunciado por muitos e muitas que ousaram e ainda ousam pensar.
Sigamos juntos sem reter nada, deixando apenas fluir o pensamento ardendo de paixão na frieza do cotidiano que nos engole.